20120527

Será que as empresas são tão inovadoras quanto dizem?

Rolos gigantes de plástico bolha numa fábrica da Sealed Air. O diretor-presidente da empresa diz que inovação de verdade significa inventar um produto que nunca existiu.

Na sua empresa há inovação? Praticamente todas diriam que sim.
O termo é usado a torto e a direito por empresas. É um modo de mostrar que estão na vanguarda, seja lá do que for: da tecnologia, da medicina, dos salgadinhos, dos cosméticos. É um tal de exibir diretores de inovação, equipes de inovação, estratégias de inovação. Há até "dia" da inovação.

Não significa, no entanto, que a empresa esteja realmente inovando em alguma coisa. Nada disso: embora o termo remeta a uma transformação monumental, o progresso sendo descrito volta e meia é bem ordinário.
Como outros motes popularíssimos no passado — "sinergia", "otimização" —, a inovação corre o risco de virar um clichê. Se é que já não virou.
"A maioria das empresas diz que é inovadora na esperança de levar o investidor a crer que há crescimento onde não há", diz Clayton Christensen, professor da Faculdade de Administração Harvard e autor de "O Dilema da Inovação", de 1997.
Uma busca em informes de resultados anuais e trimestrais apresentados à agência reguladora do mercado aberto nos Estados Unidos, a SEC, revela que empresas citaram alguma variação do termo "inovação" 33.528 vezes no ano passado, alta de 64% em relação a cinco anos antes.
Mais de 250 livros com o termo "innovation" no título foram lançados nos últimos três meses — a maioria na seção de administração, segundo pesquisa na Amazon.com.
A definição do termo varia muito dependendo de quem estiver respondendo. Para Bill Hickey, diretor-presidente da Sealed Air Corp., significa inventar algo que não existia antes, como o plástico-bolha da empresa.
Para o presidente da Ocean Spray Cranberries Inc., Randy Papadellis, significa transformar um artigo como a casca de uma fruta — no caso, cranberry, ou mirtilo —, que antes ia para o lixo, numa guloseima, como os doces Craisins.
Para o diretor de pesquisa e desenvolvimento da Pfizer Inc., Mikael Dolsten, é pegar um produto que já existe e aplicá-lo a outro público, como uma vacina para bebês que também se prova eficaz em idosos.
Scott Berkun, autor de "Mitos da Inovação" — um livro de 2007 que alerta para a diluição do termo —, diz que o que a maioria das pessoas chama de inovação não passa, na verdade, de um "produto muito bom".
Berkun prefere reservar a palavra a inventos capazes de transformar uma civilização —como a eletricidade, a imprensa, o telefone e, mais recentemente, talvez o iPhone.
Hoje consultor de inovação, Berkun aconselha clientes a banir a palavra da empresa.
"É uma palavra camaleônica [usada] para ocultar a falta de substância", diz.

Para Berkun, a popularização do termo inovação remonta à década de 1990, época da bolha da internet e do lançamento de Dominando a Dinâmica da Inovação, de James M. Utterback, e do livro de Christensen.
O termo seduz empresas estabelecidas por conotar algo ágil e bacana, como seriam uma empresa nova e seus criadores, explica.
Nem sempre empresas de tecnologia são as que mais abusam do termo. A Apple Inc. e a Google Inc. usaram a palavra inovação 22 vezes e 14 vezes, respectivamente, nos últimos relatórios anuais. Junto com elas vieram Procter & Gamble Co. (22 vezes), Scotts Miracle-Gro Co. (21) e Campbell Soup Co. (18).
A febre da inovação fez nascer toda uma indústria de consultoria. Empresas do ranking das cem maiores da revista "Fortune" pagam a consultores de inovação entre US$ 300.000 e US$ 1 milhão para a colaboração em um único projeto, o que pode chegar a US$ 1 milhão e US$ 10 milhões ao ano, estima Alex Kandybin, consultor de estratégia de inovação da Booz & Co.

Além disso, quatro de cada dez executivos dizem que sua empresa hoje tem um diretor de inovação, de acordo com um estudo recente do fenômeno divulgado no mês passado pela consultoria Capgemini.
Os resultados, baseados numa sondagem pela internet de 260 executivos do mundo todo, além de 25 entrevistas mais detalhadas, sugerem que o título pode ser mera "propaganda".

A maioria dos executivos admitiu que sua empresa ainda não tem uma estratégia de inovação clara para respaldar o posto.
Jeff Semenchuk, que em agosto virou o primeiro diretor de inovação da Hyatt Hotels Corp., diz que seu cargo não tem nada de "enrolação".
A cadeia de hotéis fez uma sondagem recente com centenas de hóspedes e concluiu que "estamos todos basicamente presos ao passado", diz ele em alusão ao setor.
Semenchuk dirige iniciativas experimentais em oito hotéis recentemente destacados como "laboratórios" no mundo todo. Entre os projetos: um processo no qual um recepcionista com um iPad em punho vai ao aeroporto receber o hóspede e dar início ao seu registro.
A palavra inovação de nova não tem nada. O primeiro registro do termo, que vem do latim "innovatus" (renovação, mudança), em um documento impresso data do século 15, diz Robert Leonard, presidente do programa de linguística de Universidade Hofstra, nos EUA.
Com a aceleração do ciclo de produtos em empresas, a palavra passou a significar não só fazer algo novo, mas fazê-lo com mais rapidez, diz ele.

A fabricante de sopas enlatadas Campbell, por exemplo, diz que está tentando levar novidades — novos sabores de sopa, novos molhos — ao mercado mais depressa do que as concorrentes. "Hoje em dia, uma ideia pode ser imitada com muito mais rapidez", diz o vice-presidente e gerente-geral da empresa, Darren Serrao.

Para Christensen, há três tipos de inovação: a inovação na eficiência, pela qual o mesmo produto é feito a um custo menor, como a automatização da consulta ao cadastro de crédito de alguém; a inovação sustentadora, que converte um produto já bom em algo ainda melhor, como o carro híbrido; e a inovação de ruptura, que transforma coisas caras e complexas em algo simples e mais acessível, como a migração do mainframe para o microcomputador.
Para a empresa, o maior potencial de crescimento reside na inovação de ruptura, diz. Christensen observa que as demais modalidades poderiam muito bem ser chamadas de progresso comum — e normalmente não criam mais empregos nem negócios.
Como a inovação de ruptura pode levar de cinco a oito anos para dar frutos, diz ele, muita empresa perde a paciência.

Para a empresa é bem mais fácil, acrescenta o autor, apenas dizer que está inovando. "Todo mundo está inovando, pois qualquer mudança virou inovação".
Usuários inveterados admitem que já estão cansando do termo inovação.
Hickey, da Sealed Air, diz que a empresa vem usando o termo em informes ao mercado pelo menos desde a década de 1980. E que está considerando suspender seu uso.
E o que entraria no lugar? "Inventivo".
"Inventivo é estado de espírito; inovação é uma coisa", explica. "Vamos abrir caminho".
Fonte The Wall Street Journal - (Colaborou Melissa Korn.)

Será que as empresas são tão inovadoras quanto dizem?

Narciso Machado

NCM Business Intelligence

20120501

Na nova ordem mundial, a palavra-chave é flexibilidade

Em março, o governo de Mianmar – uma junta militar paranóica, há tempos destituída e isolada, que atua num enclave fortificado no meio da selva – anunciou que permitiria eleições locais genuinamente livres pela primeira vez em mais de 20 anos. Em abril, os generais mantiveram a palavra, a oposição obteve uma grande vitória e os governos ocidentais rapidamente começaram a agir para afrouxar as sanções comerciais contra o país.

O que inspirou essa radical mudança de posição? Mianmar está emergindo do gelo para garantir alternativas. O país quer diminuir sua crescente dependência da China. A exemplo de um número crescente de países desenvolvidos e em desenvolvimento, Mianmar reconhece a urgente necessidade de firmar laços mais abrangentes de comércio e na área de segurança.

Entramos em algo que gosto de chamar de mundo "G-Zero": um mundo no qual nenhuma nação sozinha (nem mesmo os EUA) ou aliança de governos (certamente não o G-7 ou o G-20) possui uma musculatura política e ecônomia capaz de ditar a agenda internacional. Nesta nova ordem mundial descentralizada, crescimento não basta. Um país também tem de ter resiliência — o poder de variar, ou, em inglês, de "pivot".

Que países estão melhor posicionados para variar nessa emergente nova ordem mundial?

O Brasil, que recentemente superou o Reino Unido como a sexta maior economia do mundo, tem várias vantagens promissioras. Com uma classe média de mais de 100 milhões de pessoas, abriga o maior mercado consumidor da América Latina. Seu governo, liderado por um partido de esquerda, estabeleceu um consenso nacional em favor do mercado — e políticas econômicas amigáveis ao investidor. Apesar de as grandes reservas de petróleo em águas profundas, descobertas em 2007, provavelmente garantirem que o país se tornará líder na exportação de energia, sua economia é bem diversificada.

Mas há outro fator crucial que fortalece a resiliência do Brasil: seu governo e suas principais empresas desenvolveram fortes laços com vários parceiros robustos. Por 80 anos, o Brasil olhou primeiro para os EUA. Durante a década passada, porém, suas importações da China cresceram 12 vezes e as exportações saltaram 18 vezes. No início de 2009, o comércio com a China superou o comércio com os EUA, ajudando o país a navegar a recente desaceleração americana sem grandes problemas.

A discussão da integração da Turquia na União Europeia não está levando a lugar algum, mas Ancara está ativamente expandindo sua influência internacional. A entrada na Organização do Tratado do Atlântico Norte deu voz à Turquia na Europa e influência em Washington. É um mercado emergente que ganha importância, com renda per capita que é quase o dobro da da China e quatro vezes a da Índia. Muitos no mundo árabe olham para a Turquia como um Estado muçulmano moderno e dinâmico. Adicione a isso sua posição no meio da Europa, Ásia, Oriente Médio e da ex-União Soviética, e a Turquia é um modelo de um importante Estado pivô moderno.

A África se tornou um continente que tem essa agilidade. Entre 2000 e 2010, seu produto interno bruto real cresceu 4,7% ao ano, e os africanos agora gastam mais em produtos e serviços que os indianos, uma população de porte semelhante. Investimentos diretos estrangeiros na África mais que quintuplicaram desde 2000.

Durante anos, os Estados Africanos descapitalizados tinham de voltar-se quase que exclusivamente para o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e governos do Ocidente em busca de ajuda financeira. Em muitos casos, aceitaram ajuda do Ocidente com profunda relutância, porque ela frequentemente vinha atrelada a exigências de reformas democráricas e mais abertura para investimentos ocidentais. Mas, só em 2010, o comércio da China com a África cresceu mais de 43%, de acordo com dados oficiais chineses, e o país substituiu os EUA como maior parceiro comercial da África.

A África pode agora esperar que multinacionais e companhias estatais de países desenvolvidos e em desenvolvimento briguem para ter acesso aos consumidores africanos, assim como termos mais favoráveis de investimento. Esta não é a história de uma derrota do Ocidente para a China, porque ambos continuarão lucrando na África. Os vencedores aqui são todos os novos resilientes governos africanos.

A Ásia abriga vários Estados pivôs. A Indonésia, com a quarta maior população mundial, goza de um ambiente político estável, com crescimento sólido e uma economia bem diversificada. Seus laços comerciais são bem balanceados entre a China, os EUA, o Japão e Cingapura — e devem continuar assim. O Vietnã recebe a maior parte de sua ajuda do Japão, suas armas da Rússia e seu maquinário (e turistas) da China, e seu principal mercado exportador são os EUA.

A pequena Cingapura prova que o tamanho de um país não limita suas alternativas internacionais. A ilha que é uma cidade-Estado localiza-se estrategicamente na embocadura do vital Estreito de Malaca. Seu PIB per capita está entre os mais altos do mundo. O desemprego ronda na faixa dos 2%. O governo de Cingapura tem trabalhado para conciliar a cultura oriental e as práticas de negócios ocidentais, e o país é agora o quarto maior centro financeiro o mundo, atrás de Londres, Nova York e Hong Kong. Muitas empresas estrangeiras interessadas em estabelecer negócios na Ásia buscam uma base que permita que tenham acesso a todas as fortes economias da região sem uma concentração excessiva em nenhuma delas, e Cingapura tem esse perfil.

Encravado entre a Rússia e a China, o Cazaquistão já está lucrando com sua posição de Estado capaz de variar. Ele tem uma das economias que crescem mais rapidamente no mundo, graças principalmente às exportações em larga escala de petróleo, metais e grãos, que ajudam a garantir que o país não dependa tão fortemente do comércio com a Rússia, seu vizinho na ex-União Soviética, ou da China. Almaty, a maior cidade do país, tornou-se um importante centro financeiro regional. Apesar de o Cazaquistão integrar a Organização de Cooperação de Xangai (em inglês, "Shanghai Cooperation Organization"), um pacto de segurança que inclui Rússia e China, seu maior parceiro comercial é a União Europeia.

Nem todos os Estados nessa categoria são mercados emergentes. O Canadá permanece vulnerável à desaceleração dos Unidos Unidos, apesar de hoje não ser mais tão vulnerável como costumava ser — e não está tão exposto quanto o México. As exportações do Canadá para países que não os EUA saltaram de 18% em 2005 para mais de 25% apenas quatro anos depois, e o Canadá agora tem cerca de 40% das suas importações vindas de outros países que não os EUA.

Além disso, a economia do Canadá é bem diversificada. Como o México, o país exporta grande volume de petróleo. Mas também produz uma quantidade substancial de gás natural, máquinas industriais, autopeças e madeira e vende esses produtos para vários mercados consumidores diferentes. A principal fonte de moeda estrangeira do México vem da venda de petróleo, turismo e das remessas dos mexicanos que vivem no exterior. Em todos os três casos, a vasta maioria dos recursos vem dos EUA. O fato é que sua economia está estreitamente ligada à saúde do seu gigante vizinho.

Nos próximos anos, esqueça os tão discutidos grupos artificais como os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e os chamados "Next 11" , o rol de potenciais usinas de força que inclui a Turquia e a Coreia do Sul, mas também barris de pólvora políticos como o Paquistão, a Nigéria e o Irã.

No nosso mundo emergente G-Zero, sem um único poder capaz de determinar a agenda, os vencedores e os perdedores da próxima geração serão determinados não pela rubrica do momento mas por como e com qual frequência eles serão capazes de atuar como pivôs.

Mr. Bremmer é presidente da Eurasia Group, empresa de pesquisa e consultoria em risco político global. Seu artigo é adaptado do seu novo livro "Every Nation for Itself: Winners and Losers in a G-Zero World", (em tradução livre, "Cada Nação por Conta Própria: Vencedores e Perdedores em um Mundo G-Zero"). Fonte The Wall Street  Journal
Narciso Machado

NCM Business INtelligence

Na nova ordem mundial, a palavra-chave é flexibilidade

Os truques da Sotheby's para vender 'O Grito'

A figura no centro da pintura "O Grito", de Edvard Munch, já foi chamada de muitas coisas: feto, verme, girino, caveira. Já foi apelidada de "retrato da alma" e "rosto que lançou 1.000 terapeutas".

Agora, pela primeira vez na história, ela se tornou algo mais: a celebridade de um leilão.

"O Grito" será leiloado na Sotheby's nesta quarta-feira em Nova York. Especialistas da Sotheby's acreditam que o preço deve chegar a US$ 80 milhões, a cifra de pré-venda mais alta que a casa de leilões já estimou.

A aparição andrógina que aperta suas faces em agonia perto de um fiorde de Oslo, pintada pelo artista norueguês em 1895, é um troféu inusitado e com poucos precedentes, famoso tanto pelas referências e paródias na cultura pop quanto por suas virtudes artísticas. Das quatro versões de "O Grito" que Munch pintou, esta é a única que não está num museu de Oslo e a primeira a ser leiloada. A Sotheby's está apostando alto com a pintura: ela pode receber os louros de leiloar um dos quadros mais caros da história, ou dar um vexame se a expectativa se provar alta demais.

Numa decisão rara, a Sotheby's enviou o quadro para casas particulares na Ásia, na América do Norte e na Europa para que importantes clientes pudessem verificar se a imagem assustadora destoava do resto de suas coleções de arte. O quadro foi retirado da moldura para certos interessados de peso, que queriam encarar o ícone face a face. A pintura até viajou há pouco tempo para Hong Kong, onde passou 48 horas para que um grande colecionador pudesse inspecionar a obra pessoalmente, numa sala reservada nos escritórios da Sotheby's.

Entre os possíveis compradores estão executivos europeus, ricaços asiáticos e xeiques do Oriente Médio. Entre os nomes mencionados mais frequentemente está o da família real do Catar, que está construindo um império de museus e, segundo relatos, teria há pouco tempo comprado "Os Jogadores de Cartas", de Paul Cézanne, por mais de US$ 250 milhões. Simon Shaw, diretor do departamento de arte moderna e impressionista da Sotheby's em Nova York, notou a fascinação do Japão com o quadro, que tem um sentido especial para o país, possivelmente porque Munch foi influenciado pelas gravuras japonesas.

O especialista da Sotheby's Philip Hook calcula que existam cerca de dez colecionadores capazes de comprar o quadro. Sua teoria pessoal é que um colecionador geralmente não gasta mais de 1% do seu patrimônio numa só obra de arte. Isso limita os interessados em "O Grito" às pessoas que têm US$ 8 bilhões ou mais.

Os rumores sobre possíveis compradores incluíram colecionadores internacionais que já conseguiram conquistar obras-primas antes, como a bilionária brasileira Lily Safra, que mora em Genebra e pagou US$ 104,3 milhões pela escultura "O Homem Caminhando I", de Alberto Giacometti, ou o executivo americano dos cosméticos Ronald Lauder, que desembolsou US$ 135 milhões numa compra particular do "Retrato de Adele Bloch-Bauer I", de Gustav Klimt, para seu museu de Nova York. Em vez de numerosos aficionados de Munch, pessoas do mundo da arte acham que uma obra cobiçada como "O Grito" deveria atrair mais o interesse de colecionadores com gostos diversos para quadros famosos, lista que inclui o industrial russo Roman Abramovich e o herdeiro grego do transporte marítimo Philip Niarchos. Representantes desses colecionadores não quiseram comentar.

Este mês, mais de 7.500 pessoas puderam ver o quadro durante cinco dias na Sotheby's de Londres. A obra foi protegida por um vidro, a mais de dois metros de um cordão de isolamento vigiado por seguranças.

Grandes clientes viram o quadro numa sala privativa da Sotheby's em Nova York, sentados em cadeiras de espaldar alto a pouca distância da obra, numa sala trancada. "Um dos maiores colecionadores do mundo disse: 'Eu poderia vender todos os meus quadros, pôr este na minha parede, pôr minha poltrona aqui com uma xícara de café e ficar olhando para ele o resto da minha vida, e ser feliz'", disse Shaw.

A casa de leilões contratou uma firma de design para projetar a iluminação da pintura em Nova York, cobrindo as claraboias e janelas para permitir que a pintura brilhasse como se tivesse uma luz interior.

O negociante de arte de Mônaco David Nahmad disse que pode fazer uma oferta por "O Grito" se os lances ficarem em torno de US$ 80 milhões, mas não se saltarem acima disso. É um investimento delicado, diz ele, pois o nome Munch não é tão reconhecível quanto outros e o valor de revenda não é garantido: "Se tivesse que escolher entre comprar um Picasso ou um Munch, preferiria comprar um Picasso", diz ele. "Todo mundo sabe tudo sobre Picasso, Matisse, Cézanne, Monet. Se você chegar para alguém da América do Sul e dizer que tem um Munch para vender, ele vai dizer: 'Quem é esse?'."

A versão de "O Grito" que será leiloada na Sotheby's é uma mistura clara de 12 cores diferentes, com a figura esquelética no primeiro plano tendo uma narina azul e outra marrom. O terceiro de uma série criada entre 1893 e 1910, o quadro foi pintado com pastel sobre cartão. Alguns negociantes de arte consideram o pastel uma desvantagem, embora outros digam que as linhas e cores são mais elétricas do que nas versões a óleo. A pintura oferece uma atração especial: sua moldura, gravada com o poema original que Munch escreveu em 1892 e que dizem ter inspirado a obra. Nele, o pintor se descreve caminhando por um fiorde, "tremendo de ansiedade" e sentindo "um grito infinito atravessando a natureza".

Antes do leilão, a Sotheby's mandou publicar um livro de capa dura e edição limitada para os principais clientes. Ela também produziu dois vídeos para promover o leilão de "O Grito".

Munch não necessariamente se incomodaria com tamanha campanha de divulgação em massa. O artista, cujo trabalho já foi considerado tão subversivo que os pais eram alertados de que poderia dar catapora nos seus filhos, era um mestre do marketing. O norueguês, apelidado de "Bizarro" no início da carreira, foi um dos primeiros artistas a cobrar entrada para as exposições de seus quadros. Ele fez isso em 1892, depois que o kaiser fez um discurso na Alemanha contra suas pinturas. Munch não estava ganhando dinheiro com a venda das obras, mas pelo menos podia embolsar o ingresso das exposições.

Quando Munch criou a primeira versão de "O Grito", o artista alcoólatra e fumante inveterado estava num estado de desespero: acabara de fazer 30 anos, não tinha dinheiro, recuperava-se de um caso de amor desastroso e tinha pavor de sucumbir aos problemas mentais que corriam na família, diz Sue Prideaux, uma especialista em Munch. O artista colocou sua figura amebóide num local da baía de Oslo que era conhecido pelos suicídios. De lá, os passantes podiam ouvir os gritos de um matadouro e um manicômio próximos, diz Prideaux, acrescentando que a irmã de Munch, que foi diagnosticada com esquizofrenia, ficou internada naquele asilo. Uma possível interpretação errônea sobre seu trabalho pode ser sobre o grito em si: muitos historiadores da arte dizem que a personagem não está berrando, mas bloqueando o som da gritaria ao redor.

Os historiadores da arte consideram "O Grito" a reação de Munch ao impressionismo, que parecia entediá-lo — ele dizia que o movimento só mostrava pessoas lendo ou tricotando — e que abriu uma nova era de expressionismo em que os artistas tentavam dissecar suas próprias essências psicológicas. Quando ele pintou "O Grito", Munch já estava lendo os mesmo livros e participando das mesmas palestras em hospitais que Sigmundo Freud, diz Prideaux. Anos antes do primeiro "O Grito", Friedrich Nietzche havia lançado sua famosa ideia filosófica de que "Deus está morto", abrindo o caminho para as explorações modernas da alienação.

A imagem atraiu rapidamente a atenção da turma mais progressista da arte europeia. Para espremer o máximo desse entusiasmo, Munch criou litografias em preto e branco para que a imagem pudesse ser impressa em revistas europeias e vendida individualmente. Ele se recusou a explicar o quadro, alimentando ainda mais a fascinação do público.

Mais recentemente, a figura esquelética já foi reproduzida várias vezes e em vários lugares, de formas para cubos de gelo a pôsteres de campanha política.

Tamanha celebridade mundial já tornou o quadro um alvo. Os apostadores londrinos têm dado 1 chance em 20 de ele ser roubado antes do leilão. Duas outras versões de "O Grito" já foram roubadas de museus de Oslo. Outras duas foram roubadas e recuperadas, uma na National Gallery, em Londres e outra no Museu Munch, em Oslo.

A Sotheby's está preparando há muito tempo o terreno para o leilão do quadro de Munch, tendo organizado oito dos dez maiores leilões de quadros do pintor nos últimos anos. "Temos tentado muito conscientemente e estrategicamente ampliar o prestígio dele e criar um mercado mundial", diz Shaw.

Mas, como poucos quadros de Munch já foram a leilão, os colecionadores não têm um histórico de vendas em que se amparar, o que pode prejudicar a confiança de potenciais compradores.

O colecionador de arte nova-iorquino David Nash, que por muitos anos comandou o departamento mundial de arte impressionista e moderna da Sotheby's, se diz surpreso com a estratégia da casa de leilões para "O Grito". "Parece que não há muita justificativa para uma estimativa tão alta", diz ele. "Seria melhor para eles apresentar uma estimativa mais realista e deixar o mercado determinar qual será o preço final."

Outros, porém, estão mais otimistas: a Skate's Art Market Research, que analisa o mercado mundial de arte, prevê que a pintura alcançará um valor entre US$ 92,5 milhões e US$ 123,4 milhões. Ela chegou a esse número, em parte, depois de analisar as vendas de outros quadros famosos de artistas como Paul Gauguin e Vincent van Gogh. O recorde de preço de um quadro vendido em leilão foi estabelecido em 2010, quando "Nu, Folhas Verdes e Busto", de Picasso, foi arrematado por US$ 106,5 milhões na Christie's. A atual temporada de leilões da Christie's e da Sotheby's está repleta de obras que devem ser vendidas a mais de US$ 20 milhões, um nível de estimativa que era raro até dez anos atrás.

O dono de "O Grito", Petter Olsen, um norueguês herdeiro de transporte marítimo e de imóveis, está tentando faturar alto com a venda. Ele dispensou a garantia de preço — um acordo geralmente usado na venda de obras de arte notáveis, em que a casa de leilões garante ao vendedor um valor mínimo em troca de uma comissão maior.

Olsen, que através da Sotheby's recusou-se a dar entrevista, cresceu tendo o quadro na sala de estar da casa da sua infância. Ela pertencia a seu pai, Thomas Olsen, que comprava quadros de Munch e foi seu vizinho na pequena cidade norueguesa de Hvisten. Durante a Segunda Guerra, Thomas escondeu "O Grito" e dezenas de outros quadros de Munch num celeiro de feno afastado para protegê-los dos nazistas, que andavam queimando obras de arte que consideravam imorais.

O quadro passou pelas mãos de apenas três famílias desde que foi pintado. Seu primeiro dono foi um magnata alemão do café, que provavelmente mandou pintar o quadro. Olsen já disse que está vendendo a pintura para financiar um museu para a obra de Munch em Hvisten, que será inaugurado ano que vem.

O ano que vem marca os 150 anos do nascimento de Munch, ocasião que será celebrada por uma grande exposição na Noruega com a participação de vários museus. Fonte The Wall Street Journal.
Narciso Machado

NCM Business Intelligence

Os truques da Sotheby's para vender 'O Grito'